Em resposta a pedido de urgência, feito pelo Ministério Público Federal, a Justiça Federal garantiu, na última terça-feira (20), a recomposição da reserva de segunda dose (D2) da vacina Astrazeneca/Fiocruz para os paraibanos e paraibanas que precisam completar o ciclo de imunização contra a covid-19 e foram vacinados com as doses decorrentes das 15ª e 16ª pautas, que venceriam nas datas de 30 de julho e 3 de agosto de 2021, respectivamente. As pautas são cronogramas de distribuição das doses que asseguram o esquema vacinal da população estabelecido pelo Plano Nacional de Operacionalização (PNO) da vacinação contra a covid-19, do Ministério da Saúde (MS).
O objetivo do pedido do MPF é evitar que milhares de pessoas, já imunizadas com a primeira dose (D1) da Astrazeneca, tenham comprometido o ciclo de imunização por não receberem a segunda dose no intervalo recomendado pela bula da vacina, em decorrência da distribuição das segundas doses, que estavam reservadas e foram enviadas aos municípios, na última sexta-feira (16), para serem usadas como D1. A decisão foi da 3ª Vara da Justiça Federal, na capital.
Conforme a decisão judicial, o estado da Paraíba, através a Secretaria de Saúde do Estado (SES/PB) deve reservar doses suficientes da vacina Astrazeneca para a população imunizada com as primeiras doses, até que se reponha o estoque de segundas doses que estava guardado e foi distribuído para os municípios usarem como primeira dose.
Foi determinado ainda que, a SES/PB se abstenha de alterar a destinação de doses de vacinas remetidas pelo Ministério da Saúde para aplicação de segunda dose, sem deliberação nesse sentido por parte da autoridade federal competente, com base em manifestação da Câmara Técnica, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), órgão consultivo composto por entidades, membros da sociedade científica e profissionais especialistas, que definem posicionamentos a serem adotados no tema. A Câmara Técnica da SVS é formada pela Fiocruz, profissionais de Saúde Coletiva, Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria, Infectologia, Opas, Conass, Conasems, Conselhos de Medicina e Enfermagem, por exemplo.
Decisão judicial desrespeitada
No pedido, feito dentro da Ação Civil Pública nº 0803856-63.2021.4.05.8200 (ajuizada em abril para garantir a reposição de segundas doses da vacina Coronavac, que tinham sido usadas como D1), o MPF lembrou que já havia decisão judicial determinando que o estado da Paraíba monitorasse a oferta de segundas doses para todos os cidadãos atendidos com a primeira, assessorando prefeituras para evitar prejuízo à população pela falta de reserva. Nesse caso, a recente distribuição do estoque de segundas doses da Astrazeneca violou a decisão judicial proferida em abril e ainda usurpou a competência da União, ao estabelecer a distribuição das doses reservadas em desacordo com as orientações do PNO, apontou o Ministério Público Federal.
Competências federais
Outro problema apontado pelo MPF foi que, apesar de a Anvisa ter autorizado, de forma temporária, a aplicação da Astrazeneca, “com espaço entre doses de 90 dias, com anuência das autoridades do Ministério da Sáude, assessorado pela referida Câmara Técnica”, a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) da Paraíba aceitou a proposta de ampliação do prazo de aplicação da D2 da Astrazeneca, apresentada pela Secretaria de Saúde Estadual com base em estudo da universidade de Oxford e de experiência do Canadá. Para o Ministério Público, mesmo reconhecendo o esforço da SES/PB no combate à pandemia, ao admitir a aplicação de segunda dose em prazo maior, ainda não definido pela Anvisa, e Ministério da Saúde, a Paraíba viola diversas normas sobre competência administrativa do ente federal.
“Não se desconhece a relevância de novos subsídios científicos que surgem a todo momento, nessa conjuntura atual de uma pandemia em curso, mas a sua validação deve ser feita de modo cuidadoso e em respeito às competências legais. De fato, voluntarismo excessivo, a despeito das boas intenções, pode resultar em maiores prejuízos do que benefícios, especialmente em contextos tão delicados afetados por diversas variáveis e fatores de incerteza”, pondera o Ministério Público Federal.
O órgão ministerial ainda destacou que, embora se reconheça a importância da CIB, como espaço deliberativo para adequação do programa nacional de vacinação às especificidades locais, “deve-se ponderar que, além de não se tratar, no caso, de questão específica referente a peculiaridades do estado da Paraíba, a matéria envolve matérias técnicas que deveriam ser previamente avaliadas no locus apropriado de discussão que é a Câmara Técnica do Ministério da Saúde, composta por integrantes de vários segmentos com expertise para tanto”, frisou o MPF.
Sem garantia de remessa suficiente
Em reunião, realizada na sexta-feira (16) com a presença de representantes da SES/PB e do Ministério da Saúde, procuradores da República e do Trabalho haviam questionado o secretário de Estado da Saúde sobre a ausência de decisão do MS, a partir de parecer da Câmara Técnica competente para apreciar a questão. Ponderou-se na ocasião que, embora a proposta da SES/PB tivesse fundamentos a serem considerados, deveria ser submetida à apreciação mais aprofundada na referida Câmara, inclusive, com participação da fabricante do imunizante. Destacou-se o risco de atraso excessivo na aplicação da segunda dose de milhares de pessoas, uma vez que não haveria garantia de remessas suficientes pelo Ministério da Saúde em tempo oportuno para evitar prejuízos à máxima eficácia do esquema vacinal dessas pessoas.
Na ocasião, entretanto, o secretário estadual não aceitou a proposta de acordo para retenção de novas remessas de doses da Astrazeneca para repor a reserva de segundas doses utilizada prematuramente como primeiras doses. Por esta razão, o MPF pediu à Justiça Federal que fizesse cumprir decisão anterior, proferida pela 3ª Vara Federal, no sentido de afastar prejuízo à população que aguarda a aplicação de segundas doses de vacinas no estado. Para os membros do MP, a eventual ampliação do intervalo entre as duas doses da vacina Astrazeneca deve ser efetivada com prudência e devido planejamento de remessas, respeitadas as competências legais, até porque imporia uma obrigação ao Ministério da Saúde de enviar ao estado da Paraíba cerca de 390 mil doses da vacina Astrazeneca, o que pode afetar, inclusive, a imunização em outros estados do país.
Caso anterior
Em abril, o uso de vacinas reservadas para aplicação em segunda dose, para que pessoas recebessem a primeira dose do imunizante CoronaVac, ocasionou a falta de vacinas em vários municípios paraibanos, notadamente, em João Pessoa, para aplicação nas pessoas que já deveriam receber a segunda dose da vacina. Na época, a falta de vacina gerou aglomerações e tumultos na população-alvo. O caso foi judicializado e o Ministério Público obteve decisão favorável ao monitoramento da oferta de segundas doses pelo estado.