Cerca de 50 mil atos administrativos ligados à construção civil foram protocolados na Prefeitura de João Pessoa desde a entrada em vigor da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Entre alvarás, certidões, habite-se e licenciamentos diversos, todos esses processos agora estão sob risco após a decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), que declarou a lei inconstitucional em sua totalidade e com efeitos retroativos, gerando um cenário de insegurança jurídica que ameaça investimentos, empregos e o desenvolvimento urbano da capital.
A preocupação é compartilhada por entidades ligadas ao setor produtivo da Paraíba, como o Sinduscon-JP (Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa), o CREA-PB (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Paraíba), o CAU-PB (Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba), o Conselho Regional dos Corretores de Imóveis da Paraíba (Creci-PB), empresas de distribuição de material de construção, representantes da indústria e a Associação Comercial da Paraíba, que alertam que os impactos da decisão vão muito além da orla marítima e da discussão sobre o gabarito de altura dos prédios.
Com a anulação da LUOS, alvarás de construção podem perder validade, inclusive em obras em andamento. Empreendimentos já comercializados podem enfrentar questionamentos legais, trazendo insegurança para compradores e investidores. O efeito se espalha por uma ampla cadeia produtiva, afetando diretamente empregos diretos e indiretos na construção civil, no comércio, nos serviços e na indústria de materiais.
Muito além do gabarito – Com a decisão, comércios, empresas e prestadores de serviços que obtiveram alvará de funcionamento com base na nova legislação também passam a ser prejudicados. A medida afeta estabelecimentos do setor de alimentação, como restaurantes, bares e lanchonetes, pizzarias, padarias, cafeterias, food trucks, buffets e cozinhas industriais, que inclusive dependem de licença da Vigilância Sanitária; além do comércio em geral, como mercadinhos, supermercados, lojas de roupas, calçados e eletrônicos, farmácias, drogarias, distribuidoras de bebidas e lojas de material de construção.
Também são impactados serviços voltados ao público, como salões de beleza, barbearias, clínicas de estética, academias, lavanderias, oficinas mecânicas e lava-jatos, bem como atividades da área de saúde e bem-estar, incluindo clínicas médicas e odontológicas, laboratórios, clínicas veterinárias e consultórios.
O alcance da decisão se estende ainda ao setor de construção e indústria, atingindo construtoras, depósitos de materiais, indústrias de pequeno porte, marcenarias e serralherias, refletindo diretamente em mercados, academias, clínicas, escolas, lojas, entre outros estabelecimentos que já estavam regularizados.
Insegurança jurídica – Segundo o Sinduscon-JP, a insegurança jurídica pode levar à paralisação de obras em diferentes regiões da cidade, além de influenciar diretamente a interrupção do crescimento econômicos da cidade e dos investimentos que começam a acontecer. Para o presidente da entidade, Ozaes Mangueira, caso essa decisão do Tribunal de Justiça não seja revisada, João Pessoa será exemplo no Brasil inteiro de um lugar onde não se deve investir.
“Não estamos falando apenas de gabarito ou de orla, nós somos defensores da Lei do Gabarito, pois ela é patrimônio do nosso Estado. O Sinduscon defende o respeito e o cumprimento das leis vigentes seja ela de gabarito ou qualquer outra que faça parte do nosso arcabouço legal. E a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que foi derrubada de forma retroativa, faz parte das leis que gostaríamos que fosse também respeitada. Portanto, se a lei foi considerada inconstitucional, que seja daqui para frente”, argumentou.
É importante destacar que a controvérsia jurídica em torno da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) se concentrava, principalmente, no Artigo 62, que trata da altura das edificações na faixa litorânea, podendo esse ponto específico ser questionado sem a necessidade de anulação de toda a legislação. A LUOS, no entanto, vai muito além do gabarito, reunindo regras essenciais para o ordenamento urbano de todo o município, como zoneamento, uso do solo, habitação de interesse social, mobilidade, infraestrutura e desenvolvimento sustentável.
Setores – Entre os setores que também serão afetados estão os empreendimentos do programa ‘Minha Casa Minha Vida’, voltados à habitação de interesse social. Esses projetos dependem de parâmetros urbanísticos previstos na LUOS para viabilizar custos e garantir acesso à moradia para famílias de baixa renda. A paralisação ou o atraso dessas obras pode comprometer políticas públicas habitacionais e ampliar o déficit de moradia na capital.
A decisão também coloca em risco o Polo Turístico de João Pessoa, projeto aguardado há décadas e considerado estratégico para o desenvolvimento econômico da cidade. A insegurança jurídica pode afastar investidores e provocar novos atrasos, impactando a geração de empregos, a arrecadação e o fortalecimento do turismo local.
O CREA-PB, responsável pela fiscalização do exercício profissional da engenharia e das empresas registradas no Conselho, também manifestou preocupação. O presidente Neto Figueiredo destacou que a derrubada da lei afeta diretamente profissionais e empresas.
“Há uma grande insegurança jurídica para todos os profissionais e empresas registrados no CREA Paraíba. Não se trata apenas de limitar altura ou gabarito, mas da necessidade de regulamentação clara. A derrubada da LUOS afeta engenheiros, empresas e toda a cadeia produtiva envolvida”, ressaltou.
Prejuízo para toda a cidade – As entidades reforçam que os impactos da decisão atingem João Pessoa como um todo, desde grandes empreendimentos até pequenos comerciantes instalados em áreas regularizadas pela LUOS. A aplicação retroativa pode gerar disputas judiciais, afastar investimentos e comprometer o crescimento ordenado da cidade.
O presidente da Associação Comercial da Paraíba, André Amaral, estima que o impacto econômico dessa decisão possa ser superior a 8 bilhões de reais. “São empreendimentos construídos com recurso próprio e uma grande parte construída com empréstimos a bancos e investidores. É um momento crítico da nossa cidade. Nós estamos querendo fazer esse amplo debate para que a gente encontre uma alternativa”, afirmou.
O representante do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis da Paraíba (Creci-PB), Fabiano Cabral, lembrou que a decisão afeta diretamente toda a cadeia produtiva da construção civil, indústrias, construtoras, lojas de material de construção, e também outros setores da sociedade. “A revogação dessa lei como um todo prejudica toda a economia de João Pessoa”, reforçou.
O empreendedor Roberto Amorim teme as demissões que podem acontecer em toda a cidade, nas mais diversas áreas de atuação, com a derrubada da LOUS. “Os comerciantes pequenos, médios, grandes, distribuidores de mercadorias e de material de construção serão muito afetados. Acredito que pode haver um grande número de demissões, uma demissão em massa até, porque devemos passar por alguns problemas relacionados à liquidez”, comentou.
Prefeitura vai recorrer – A Prefeitura de João Pessoa informou que, por meio da Procuradoria-Geral do Município, irá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) da decisão do TJPB. Segundo o procurador-geral Bruno Nóbrega e o secretário de Planejamento Ayrton Falcão, a gestão municipal manifesta preocupação com a insegurança jurídica e afirma que continuará adotando medidas legais para garantir o ordenamento urbano, o desenvolvimento socioeconômico e a qualidade de vida da população.















